Dir-se-ia um território cuja força
simbólica foi essencialmente nutrida à custa de violações, aquele que Matana
Roberts visitou entre fevereiro e março do ano passado, e do qual
disponibilizou um arquivo visual praticamente ecológico no Instagram através do
cardinal southernsojourn2014. Aí,
pelo sul dos EUA, inventariou descorados retratos de família, ementas de
restaurante desbotadas, carris, correntes enferrujadas e carcomidos troncos,
fotografou animais amansados pelo trabalho, sedes de ferozes especuladores
financeiros e lajes sepulcrais com evidentes traços de abandono, e por todo o
lado captou sinais de trânsito e mosaicos decorativos como quem sugere as
ligações a fazer. Claro que logo se percebe ao que vem quando mostra estátuas
alusivas a protagonistas da Guerra de Secessão, à história militar confederada,
à sociedade esclavagista. Ganha, então, novo sentido o contínuo catalogar de ramais,
becos e vielas, de galerias pluviais e tampas de esgoto ou, também, do infinito
desfilar de motéis e igrejas. Alguém mais esotérico afirmaria que em “River Run
Thee”, o terceiro da programada dúzia de capítulos “Coin Coin”, se adivinha a
projeção eletroacústica desse universo. E, no disco, a compositora não disfarça
a atração por técnicas de montagem que acima de tudo se alimentam de emanações
do inconsciente. Aqui, até as gravações de campo parecem tentativas de registar
aqueles fenómenos eletrónicos de voz de que falava Raudive. Ao dogma paranormal
Roberts adiciona leituras de “Dhow Chasing in Zanzibar Waters”, uma narrativa
de G. J. Sulivan, publicada em 1873, relativa à sua experiência na supressão do
tráfico negreiro na costa oriental africana, e com especial relevância para os
interessados nos mais nefários aspetos da presença portuguesa em Moçambique.
Matana canta, geme, toca saxofone, recorre a inúmeros efeitos. Subitamente
ouve-se jazz como se pressente um espetro.
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