Há uns anos, em entrevista à “International Piano
Magazine”, Sokolov explicava que lhe era impossível detalhar programas com
muita antecedência: “Toco apenas aquilo que de facto quero tocar no momento
atual.” Sabia perfeitamente que isso contrariava as necessidades de quem o
contratava, mas não havia grande coisa a fazer: “Essas pessoas não têm escolha.
Não aceito encomendas”. Por ora, esse apetite coincide com peças de Bach,
Beethoven e Schubert. A 30 de julho de 2008, data da gravação que marca esta
sua estreia na DG, o objeto do seu desejo era um par de sonatas de Mozart e o
opúsculo 28 de Chopin. Do primeiro, quiçá para recordar uma composição do
período em que Mozart permanecia ao serviço do Príncipe-Arcebispo Colloredo, em
Salzburgo, cidade que acolhia o seu recital, começa por explorar a sonata K
280, de 1774, e faz maravilhas com a aria
siciliana do Adagio, talvez com a
‘Ach, ich fühl's, es ist verschwunden’, de “A Flauta Mágica”, em mente. Depois,
passa para a K 332, contemporânea da “Marcha Turca”, e convence quem o ouve
que, para si, tocar piano é sinónimo do verbo sentir, e que a emoção será
porventura o único compasso pelo qual se deve medir a vida. Não obstante a
entrega, para os mais familiarizados com versões de Pires ou Uchida poderá revelar-se
inesperadamente hesitante. Já nos “Prelúdios”, do polaco, concentra o que de
mais celífero havia, por exemplo, em François ou Arrau e o que de mais telúrico
se deteta em Argerich ou Gulda. No fundo, aqui, o verdadeiro milagre é lembrar as
palavras com que George Sand termina “Um Inverno em Maiorca”, crónica da viagem
em que Chopin precisamente os escreveu: “O homem não foi feito para viver com
as árvores, as pedras, o ar puro, o mar azul, as flores e as montanhas, mas sim
com os seus semelhantes”.
Sem comentários:
Enviar um comentário