14 de março de 2015

Rudresh Mahanthappa “Bird Calls” (ACT, 2015)



No último número da revista “Down Beat”, Rudresh Mahanthappa explica assim este seu álbum em que faz uma extraordinária evocação de Charlie Parker: “É como quando Picasso pintava um rosto feminino, deslocando um olho do sítio e dando-lhe uma aparência completamente diferente e única: vejo muito do que faço como se fosse Charlie Parker com o olho fora do lugar.” Fala, portanto, de ângulos e assimetrias, de memória e movimento. Concilia um expoente artístico com uma estratégia comercial. Nada que não se dê com assinalável frequência. Aliás, ainda há coisa de uma semana, na Semana da Moda de Paris, as modelos no desfile de Simon Porte Jacquemus avançavam pela passerelle como que saídas de “Les Demoiselles d’Avignon”, com um terceiro olho, uma segunda boca e um segundo nariz pintados na face. Dir-se-ia que, na sua mais pueril expressão, de uma ingenuidade praticamente calculada, postulava-se a possibilidade da arte sob a égide do comércio mediante a sua inesgotável capacidade de encantar e espantar e embaraçar os signos de que se reveste o real. Também aqui, por um lado, se trata de uma tomada de consciência da história e dos convencionalismos em que é prenhe e, por outro, de uma aproximação ao inconfundível poder de sedução da ambiguidade. Isto, porque possui um vernáculo muito pessoal, Mahanthappa: com os seus próprios ardis e recursos, avanços e recuos. Onde “Bird”, quiçá por intermédio de Lester Young, se socorria do blues, vale-se por exemplo Rudresh da música clássica indiana ou do jazz de fusão, sem chegar jamais a trair a manifestação das suas íntimas convicções. Cultivando a energia cinética da citação, porquanto se veja grego o ouvinte que busque aqui os originais de Parker, e com Adam O’Farril no trompete, Matt Mitchell ao piano, François Moutin ao contrabaixo e Rudy Royston na bateria, produziu um dos mais engenhosos, estimulantes e enigmáticos discos de 2015.

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