No último número da revista “Down
Beat”, Rudresh Mahanthappa explica assim este seu álbum em que faz uma
extraordinária evocação de Charlie Parker: “É como quando Picasso pintava um
rosto feminino, deslocando um olho do sítio e dando-lhe uma aparência
completamente diferente e única: vejo muito do que faço como se fosse Charlie
Parker com o olho fora do lugar.” Fala, portanto, de ângulos e assimetrias, de memória
e movimento. Concilia um expoente artístico com uma estratégia comercial. Nada
que não se dê com assinalável frequência. Aliás, ainda há coisa de uma semana,
na Semana da Moda de Paris, as modelos no desfile de Simon Porte Jacquemus
avançavam pela passerelle como que
saídas de “Les Demoiselles d’Avignon”, com um terceiro olho, uma segunda boca e
um segundo nariz pintados na face. Dir-se-ia que, na sua mais pueril expressão,
de uma ingenuidade praticamente calculada, postulava-se a possibilidade da arte
sob a égide do comércio mediante a sua inesgotável capacidade de encantar e
espantar e embaraçar os signos de que se reveste o real. Também aqui, por um
lado, se trata de uma tomada de consciência da história e dos convencionalismos
em que é prenhe e, por outro, de uma aproximação ao inconfundível poder de
sedução da ambiguidade. Isto, porque possui um vernáculo muito pessoal,
Mahanthappa: com os seus próprios ardis e recursos, avanços e recuos. Onde “Bird”,
quiçá por intermédio de Lester Young, se socorria do blues, vale-se por exemplo Rudresh da música clássica indiana ou do
jazz de fusão, sem chegar jamais a trair a manifestação das suas íntimas
convicções. Cultivando a energia cinética da citação, porquanto se veja grego o
ouvinte que busque aqui os originais de Parker, e com Adam O’Farril no trompete,
Matt Mitchell ao piano, François Moutin ao contrabaixo e Rudy Royston na
bateria, produziu um dos mais engenhosos, estimulantes e enigmáticos discos de
2015.
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