Em
meados do século passado, a redigir uma entrada enciclopédica sobre Bartók, Boulez
falou de “cinco grandes” compositores contemporâneos: além do húngaro, em
relação ao qual se presumia alguma condescendência – tal o encómio e tão grande
a aparente relutância em fazê-lo –, a lista incluía ainda Stravinsky,
Schoenberg, Berg e Webern. Como é óbvio, o redator não estava propriamente a
ser literal. À data em que escrevia, só o russo permanecia entre os vivos. E,
mesmo assim, não o tivesse Boulez ido resgatar à inconsequência do neoclassicismo,
por pouco. Mas também é verdade que ao longo dos anos não lhe faltaram oportunidades
para regressar ao tema. E de cada vez que lhe perguntavam qualquer coisa nesse
sentido, quiçá como defesa ou apenas porque lhe parecia imprescindível
autocitar-se, lá voltava a ladainha: Bartók, Berg, Schoenberg, Stravinsky, Webern.
Não
admira, portanto, que, dos 44, se consagrem 25 CD desta caixa a obras do quinteto.
Trata-se de uma desproporção que se notava já em “The Complete Columbia Album
Collection”, a integral de Boulez na CBS que a Sony lançou no outono passado e
que não só em número de fonogramas – 67 – se prova superior a esta.
Curiosamente, aliás, é graças a duas antologias de ambições mais modestas, e também
acabadas de sair – uma na Erato, com 14 CD, e outra, com 10, na própria DG, focada
esta em registos provenientes dos célebres salões “Le Domaine Musical” decorridos
entre 1956 e 1967 –, que a crucial posição de Boulez na história cultural do
século XX se torna mais evidente. Uma que, por sinal, se define individualmente
pelo grau de desconforto que gera, em todos quanto a lêem, a fanática caracterização
de Souvtchinsky, citada por Jonathan Goldman em “The Musical Language of Pierre Boulez”: “É certo que a reforma e a
reformação dos conceitos e linguagem de que neste momento irrevogavelmente se
ocupa a música viva teve os seus atentos precursores e eficientes
esclarecedores. Mas tivemos de esperar pelo sempre problemático e inesperado
aparecimento de um predestinado para que este movimento ganhasse absoluta
consciência de si mesmo e do seu valor histórico. Só o advento de um criador
assim, pela sua presença, pela afirmação do seu dom e pela aplicação do seu bom
senso, torna tudo, até aquilo que mal se enxerga, subitamente mais nítido.”
Calcula-se
que tenha sido pela fé em tamanho messiado que os organizadores desta coleção tenham
excluído obras de Mahler compostas na primeira década do século XX e incluído outras
de Debussy escritas na última do século XIX. Afinal, Boulez afirmou: “Se não há
dúvida nenhuma que a poesia moderna teve origem em alguns poemas de Baudelaire,
então é igualmente certo que a música moderna despertou com o ‘L’après-midi
d’un faune’”. Não desfazendo do prelúdio, ouvindo muitas das peças aqui
compiladas, nomeadamente as de Ligeti, Birtwistle, Varèse, Messiaen ou, claro, as
de Boulez-compositor, dir-se-ia, até, que Baudelaire foi conjuntamente a raiz
de muita música do século XX. Ele que, em “Correspondências”, reparou que “Em
prolongados ecos, confusos, ao longe/ Numa só tenebrosa e profunda unidade/ Tão
vasta como a noite e a claridade/ Correspondem-se as cores, os aromas e os
sons”.
Sem comentários:
Enviar um comentário