Poucas monografias se podem dar ao luxo de reproduzir completamente
as obras a que são dedicadas. No caso de “Terry Riley’s In C”, de Robert Carl, basta
um indicador mal lambido ali entre as terceira e quarta folhas e lá se vai a
partitura integral da peça, o que leva o autor a iniciar assim a sua
apresentação: “Então aí está. Cabe numa página. Não especifica instrumentos, nem
possui mais partes. Resume-se a cinquenta e três motivos, na sua maioria
minúsculos, sem contraponto ou forma evidente. De escassas instruções, com variados
aspetos deixados deliberadamente vagos, não determina sequer um andamento. E
tem um título de um laconismo levado ao extremo: ‘Em Dó’.” No entanto,
dir-se-ia que corre em paralelo com a vida, quanto mais se transformando mais
se vindo a parecer consigo mesma. E, embora se construa de maneira modular, se tempere
com o sal da improvisação e transfira para os intérpretes uma palavra quanto às
suas configuração e duração finais, é de uma firmeza inabalável. De certo modo,
por seu intermédio veio Terry Riley revogar a autocracia na música do seu
tempo, dando já mostras de falar através do mundo quando até os mais generosos
entre os seus pares, como o Berio de “Folk Songs”, se dirigiam ainda aos povos
do mundo. Foi estreada no San Francisco Tape Music Center, a 4 de novembro de
1964, com Tony Martin a moldar no teto da sala – com aqueles voluptuosos jogos
de luz que, em auditórios da cidade, como o Fillmore, se viriam a apelidar de
psicadélicos – o magma emocional gerado em palco por Riley e seus acólitos,
entre os quais se destacavam Reich, Oliveros ou Subotnick. Cinquenta anos e
inúmeras versões depois, tendo servido de forragem para os apetites mais
exóticos, eis que a peça ganha nova vida em Bamako, no Mali, por via do Africa
Express, de Damon Albarn, Brian Eno, André de Ridder, Cheick Diallo, Guindo
Sala, Olugbenga, et al. Como é costume
no coletivo, a ação divide-se em dois planos: num, no que mete dó, estão os
europeus, que julgam saber o que Riley quis fazer; noutro, sugerindo antes o
que ele deveria ter feito, estão os africanos. Têm razão os segundos, trazendo
à memória o amor de Riley pelos sons que, pela rádio, na década de 50, lhe
chegavam da outra margem do Mediterrâneo enquanto vivia em Algeciras. Aí, “In
C” regressa a casa.
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