9 de maio de 2015

Keith Jarrett “Creation” (ECM, 2015) & Barber: Piano Concerto; Bartók: Piano Concerto Nº 3 (ECM, 2015)



 

Keith Jarrett (p), Rundfunk-Sinfonieorchester Saarbrücken, Dennis Russell Davies (d), New Japan Philharmonic Orchestra, Kazuyoshi Akiyama (d)
 


Keith Jarrett acumula gravações como outras pessoas amontoam tupperwares. E ocasionalmente dá para imaginá-lo a vasculhar por uma espécie de armário de cozinha mental, contemplar o que noutro universo resultaria numa sucessão de falhanços geométricos ao tetris e só então considerar o recipiente certo. Não é tarefa fácil. É que, de acordo com um dos mitos que o cercam, trata-se de alguém que tem vindo a registar obsessivamente os seus concertos ao longo dos anos. Além disso, agora, o que se pretendia conservar não era nada mais, nada menos, do que a relevância simbólica que impreterivelmente se atribui a um septuagésimo aniversário: assinalou-se ontem e, em concomitância, não foi há mais de 24 horas que a ECM oficialmente lançou estes dois discos. Talvez por essa razão tenha o pianista esquadrinhado o arquivo caseiro em busca de matéria que o representasse mais amplamente: “Creation” colige nove temas com origem em seis recitais de 2014 (um em Toronto e em Paris, outro em Roma, três em Tóquio), o “Concerto para Piano, Op. 38”, de Samuel Barber, vem de uma atuação na Sala de Congressos de Saarbrücken, na Alemanha, a 3 de junho de 1984, e o “Concerto para Piano Nº 3 em Mi maior”, de Béla Bartók, procede de uma apresentação a 30 de janeiro de 1985 no festival Tokyo Music Joy, no Japão.

Mas não era preciso tamanha introdução para se perceber que Jarrett encontrou, de facto, qualquer coisa de especial nos objetos que reuniu no CD a solo. Aliás, dele, que já fez birras por menos, dir-se-ia nem notar que, logo ao primeiro tema (‘Part I’), a plateia o vai acompanhando à velocidade de uma tossidela por minuto. Também a música progride em intervalos com relações curiosas, mas não é nada de que normalmente não se acerque qualquer pianista a improvisar a partir dos românticos. ‘Part II’ recorre àquele Bach que, ainda que de modo espúrio, um dia se pôs ao cravo com as insónias do conde de Keyserlingk em mente e adequa-se aos mediúnicos gemidos com que Jarrett a comenta, embora, de forma irónica, o efeito traga antes à memória a voz de um homem de consciência pesada que fala a dormir. ‘Part III’ é uma balada criada com sequências de acordes sacados à secção de usados do Tin Pan Alley. Por sua vez, ‘Part IV’ pega na “Milonga para Tres”, de Piazzolla, e leva-a a visitar a campa de Ravel. E assim continuamente, pilhando-se materiais de construção, de estaleiro em estaleiro, sem que ninguém lhes dê pela falta. Aqui raramente se entrega o seu a seu dono. Mas não é a ausência de originalidade que se lamenta e, sim, o facto de até isso dar mostras de ser perfeitamente insincero. Da mesma maneira, não é o ecletismo, em si, que frustra, mas o permanente descomprometimento com qualquer idioma específico que à sua custa se alimenta. Coisa que, por sinal, mal se notava há 30 anos atrás, quando Jarrett gravou estes dois concertos para piano, colocando um compositor norte-americano e outro húngaro a falar a mesma língua, o que, no caso, não deixa de ser um elogio para todos os envolvidos. Mas o retrato é essencialmente pessimista, habitado pela neurose e pelo ridículo, o que agradará a quem receasse vir a achá-lo pretensioso demais. Afinal sempre há um Jarrett para todos.

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