São três temas (‘Des Pas Sur la Neige’, ‘Des Pas Sur la Ville’ e ‘La
Neige Sur la Ville’), cada qual com o seu esquema visual. No da capa, as
pegadas sobre a neve parecem liliputianos pianos de cauda, aos pares. E se o
minimalismo fosse uma questão de escala, podia, até, dizer-se que é neles que
toca Eve Risser, o que só confirma o poder de sugestão desta música e o encantamento
que nela reside. Aqui, atinge-se o máximo de efeitos com um mínimo de recursos,
tudo é arbitrário e nada parece ter sido deixado ao acaso e, mais do que desafiá-las,
expõem-se categorias ao ridículo. Por um lado, a pianista produz um incessante
inquérito às virtudes mais especulativas do seu instrumento, para cujo âmago desliza
como pela toca do coelho caiu Alice, e não se vislumbra uma ação mais
dependente de um mundo interior. Por outro, mais não faz do que dramatizar
perturbações domésticas: arrasta mobília do sítio fora de horas, mói ruidosamente
grãos de café logo pela manhã, afina o chiar de canos enferrujados, traduz o
ciciar dos ramos da árvore à janela, divide o ritmo de uma torneira que não para
de pingar, aguarda enquanto o compressor do frigorífico dá continuamente o tom
para uma canção que começa jamais, adivinha código morse nos passos dos
vizinhos de cima, imagina uma batalha entre potes e panelas dentro da máquina
de lavar loiça, põe o amplificador da aparelhagem a funcionar com uma pancada
no sítio certo, coloca a cidade sob escuta. Toca e convida o ambiente a tornar-se
livremente parte da composição, tanto quanto oferece ao seu ouvinte uma
catedral na forma de uma “caixa de música”. Tal como Debussy, que também teve a sua "Des pas sur la neige".
Sem comentários:
Enviar um comentário