Em
meados dos anos 90, durante uma temporada em Bamako, a escritora Lieve Joris
assistia a um concerto de Boubacar Traoré, “um cantor de blues nos seus cinquenta e picos, sozinho à guitarra, vestido de
fato escuro e com uma boina em xadrez na cabeça.” Aos poucos, ouvindo-o, começou
a entender quem era e o que queria. E, acima de tudo, o que queria era superar
o medo. Por isso deixou-se ir com aquela voz que se interrogava: “Ei, Seyba,
onde estás?/ Ei, Brahima, em que lugar te encontras?/ Meu querido Kalilou, para
onde foste?/ E tu, Pierrette?/ Ó minha Ba Diallo, onde estás tu?/ Que Deus
tenha piedade de ti”. Mais tarde, visitando-o, percebeu que Boubacar cantava
acerca de filhos, filhas, irmãos, irmãs, mulher... Todos desaparecidos. E que o
fazia como se o ato de lhes ter sobrevivido se equivalesse ao de lhes ter
tirado a vida com as próprias mãos. “A Ba Diallo era a minha primogénita.
Foi-se mais ou menos com oito meses. Perdi cinco filhos mas a morte dela foi a
que mais me custou. Claro que, depois, quando faleceu a mãe deles, a minha
Pierrette, parecia que era eu que ia morrer. Tive de me ir embora do Mali”,
explicava, enquanto espalhava açúcar à volta do pavio de uma vela para a fazer
render, a noite cobrindo-lhe as paredes do casebre. São histórias que a autora reúne
em “Mali Blues”, uma crónica de viagem publicada em 1996, em que tenta a todo o
custo estar à altura de tão trágico destino, mesmo se mais não faz do que anotar
desencontros. Desde então, numa mão-cheia de discos, é sobre isso que Traoré ainda
canta: querer chegar às pessoas que mais amou, e não conseguir.
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