A cena não é difícil de imaginar: em
Versalhes, c. 1670, por entre perucas brancas e apliques dourados, Claude
Jacquet, organista e proprietário de uma luteria, conduz uma menina pela mão
até ao cravo, miniatura de madeira exótica num mundo de mármore e porcelana.
Ela começa a tocar e Luís XIV finge prestar atenção até ao momento em que
presta mesmo e em que o silêncio em seu redor se desfaz em sedas. Aos cinco
anos, Elisabeth-Claude Jacquet era um concentrado de delicadeza, engenho e
fantasia. Deliciado, o Rei Sol concede-lhe uma subvenção vitalícia e, acenando
com a cabeça a Madame de Montespan, assegura-lhe a educação. Há um relato de
julho de 1677, publicado no Mercure Gallant, em que se conta que ela lia “a
música mais difícil à primeira vista”, que, ao cravo, se acompanhava “a si
mesma e a outros tocando de um modo inimitável”, que compunha “peças originais”
e que as interpretava em “qualquer tom que se lhe pedisse”. De modo atípico,
até, e tudo isto se conta em “Five Lives in Music”, de Cecelia Hopkins Porter, Elisabeth
manteve uma carreira de instrumentista, compositora e tutora mesmo após o seu
casamento com Marin de La Guerre, em 1684. Para a posteridade fica a fama – e a
descrição das suas “improvisações de meia hora” em concorridos ‘salões
musicais’ – e parte de uma obra que representa um momento perfeitamente
pivotante na produção musical do seu tempo: o da réunion des gouts entre os estilos francês e italiano, em que se
distinguiu e de que são exemplo precoce as suas preclaras sonatas e suítes para
violino e cravo. Nasceu há 350 anos e consigo ainda se aprende.
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