Michael Mantler fala da sua
orquestra como um nutricionista fala do café com leite: “A minha ideia era a de
controlar e limitar o que considerava excessos na improvisação livre”, declara
o compositor e trompetista nas notas de apresentação de “Jazz Composer's
Orchestra Update”, tal como no contexto das necessidades alimentares se diria que
a cafeína restringe o aproveitamento do cálcio pelo organismo. A insensatez da
metáfora em toda a sua abrangência é deliberada, pois no enquadramento desse
recente CD em que revisitava e reconstruia as partituras do emblemático tomo
inicial da Jazz Composer’s Orchestra, de 68, o austríaco comete a imprudência
de qualificar os seus solistas de então – de Don Cherry e Cecil Taylor a
Pharoah Sanders e Andrew Cyrille – como “forças da natureza, sem consciência do
que os tornava verdadeiramente originais”. Seja como for, no espírito deste aggiornamento, trata-se de uma atitude
que não perturba a audácia que tão precocemente demonstrou. Pois a verdade é
que Mantler foi um importante catalisador num movimento associativo que
desenvolveu notáveis sinergias entre radicais da mais criativa música nova-iorquina
– e não só – de há cinquenta anos atrás. Hoje, às 21h30, quando subir ao palco
do Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Calouste Gulbenkian acompanhado por Wolfgang Puschnig, Harry Sokal, David Helbock,
Bjarne Roupé e pela Orquestra Jazz de Matosinhos, carregará consigo o
testemunho dessa era mas, acima de tudo, tratará de expressar as tais versões
mais nutritivas de um ávido repertório que só o tempo soube temperar. Em
simultâneo, estará a dar corpo ao manifesto de um Jazz em Agosto que, este ano,
fica marcado por “grandes formações orquestrais (…) e ainda pelo conceito de
intemporalidade musical através da presença de músicos que regressam a projetos
do passado para os reinventar.” Em parte, é precisamente disso que se ocupará
amanhã o quinteto Swedish Azz – de Mats
Gustafsson, Per-Åke Holmlander,
Kjell Nordeson, Dieb 13 e Erik Carlsson
[na foto] – ao dedicar-se aos arautos do jazz na Suécia das décadas de 50 e 60.
Incontornável no período foi o LP “Jazz på svenska”, do pianista Jan Johansson,
que presumia especificidades dialetais no seu inquérito ao cânone. É uma
peculiar sindicância continuamente presente nas atuações do RED trio – de Hernâni
Faustino, Gabriel Ferrandini e Rodrigo Pinheiro – que, quarta-feira, só de modo
simbólico evocará o seu historial ao partilhar o palco com John Butcher, o saxofonista
com que cocriou “Empire”, em 2011. Quinta-feira é dia de conhecer os
Schlippenbach – Alexander, Aki e Vincent – que tornarão a “Lok 03”, intrigante
exercício de cosmopolitismo, mais engraçado que gracioso, e sexta regressará ao
certame Ingebrigt Håker Flaten em nova investida pelas velhas possibilidades vernaculares
do jazz.
Sem comentários:
Enviar um comentário