1 de agosto de 2015

Stanley Cowell “Juneteenth” (Vision Fugitive, 2015)



Lembrava “Narrativa da Vida de Frederick Douglass, Um Escravo Americano”, em 1845, que havia uma coluna de condenados que “enquanto caminhava ia compondo e cantando”. “E o pensamento que à sua mente assomava saía pelo som, que não somente pela palavra.” Há neste fascinante “Juneteenth” um par de temas que implicitamente se relacionam com a citação: ‘We Shall 2’ e ‘Ask Him’. Originais que parecem provir da coletividade e que possuem vínculo prévio na discografia do seu autor, o primeiro em “It’s Time” (Steeplechase, 2012), o segundo em “New World” (Galaxy, 1981). Surgem aqui igualmente em alusão à fé: um no domínio constitucional, invocando ‘We Shall Overcome’ à luz da luta pelos direitos civis, outro enquadrado nas promessas de redenção presentes na ficção teológica. Encontrando-se assim “em cada tom um testemunho contra a escravatura”, como afirmou Douglass, uma interpelação para que se solte um povo inteiro dos seus grilhões. Em 1903, em “As Almas da Gente Negra”, W.E.B. Du Bois referia-se a tais hinos tingidos pela mágoa dizendo que neles se passava com frequência do desespero à esperança: “Ora se crê na vida, ora na morte. Mas o seu significado permanece claro: algum dia, em algum lugar, os homens serão julgados pelo seu caráter e não pela cor da sua pele.” Como se sabe, Martin Luther King Jr. atualizou a expressão. Já este ano, precisamente a propósito da observância do feriado do Juneteenth, foi Barack Obama a recordá-la em comunicado oficial: “Enquanto as pessoas se odiarem por causa da cor da sua pele não podemos afirmar que o nosso país esteja a ser fiel aos seus ideais. Mas o Juneteenth nunca foi a celebração de uma vitória ou a admissão de que as coisas estão bem como estão. Ao invés, celebra o progresso.” Da meditação a solo de Stanley Cowell sobre a herança desse dia – o 19 de junho de 1865 – em que aos escravos do Texas chegou enfim a notícia de que a sua emancipação havia sido há dois anos promulgada por Abraham Lincoln, então presidente dos Estados-Unidos, o mínimo que se conclui é que ela é mais matizada do que a do presidente atual: labiríntica e ambígua, quase retrocessiva, como que procedendo ignaramente face às causas finais da sua condição. [Foto: Janette Beckman]

1 comentário:

  1. João, parabéns pelo blog! Realmente incrível! :D
    E você tem Soulseek? Se sim, compartilharia o nome do seu usuário comigo? O meu é pecorib.
    Abraços,

    Pedro

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