Só para
contrariar, classificava-se o que ao piano fazia Marilyn Crispell como o
resultado de uma patologia de diagnóstico particularmente difícil. Em março de 1998,
no “Piano Jazz” (o programa de Marian McPartland na rádio pública
norte-americana), a anfitriã confessava nem sempre perceber lá muito bem o que se
estava a passar. Depois, tocavam em conjunto ‘All The Things You Are’ e a radialista
interrogava-se como é que era possível Crispell estar “tão fora” num instante para
logo de seguida se mostrar “tão dentro” da tradição. “São coisas que em mim
convergem”, respondia-lhe a convidada. Mas a verdade é que, desde então, em
consequência de criogénicas gravações na ECM, tudo isso são coisas que se têm mantido em separado. Longe vai o tempo das obras-primas na Leo, o de “For Coltrane”,
“Gaia” ou “Santuerio”, em que até as ações de Crispell – quando fazia workshops em Woodstock, por exemplo – pareciam
possuir a concisão e a objetividade da poesia. Por sinal, o tempo em que era continuamente
comparada a Cecil Taylor por aquele tipo de críticos que se fossem ao circo não
seriam capazes de ver para lá do pelo na cara da mulher barbuda. De “Table of
Changes”, registado em maio de 2013 numa digressão europeia com o mais empático
dos seus colaboradores, dir-se-ia o ponto em que toda esta história de novo
coalesce. Organiza-se sob o signo da descontinuidade, mas também dos encontros
casuais, é prenhe em alterações de humor, revela algum cansaço e mais afeto. Um
momento monótono? As oito repetições da mesma nota em 'Ev’ry Time We Say
Goodbye'. Mas aí a culpa é de Cole Porter.
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