22 de agosto de 2015

Gal Costa “Estratosférica” (Sony, 2015)



Parece que o assunto é cabelo. Ou, melhor, que a sua falta é a raiz do problema. E, no Brasil, país em que se conjuga o escândalo como um verbo, insuspeitas publicações como a Folha de S. Paulo ou o Globo vieram a público pedir explicações: “Cortei meu cabelo, me arrependi e aí resolvi botar esse aplique”, esclarecia Gal Costa por ocasião do lançamento de “Estratosférica”. É uma matéria importante. Como aquela canção que um dia Caetano Veloso escreveu a partir de um desencontro com o litoral de Gal, que ela cantou em “Índia” (1973) e na qual ele concluía que “uma mulher é sempre uma mulher etc. e tal”, é até mesmo “da maior importância”. Afinal, a partir de palavras de Gilberto Gil – que, recorde-se, a par de Caetano, teve a carapinha rapada na prisão por militares entendidos na lenda de Sansão –, já Gal assim dizia no seu segundo LP de 1969: “Cultura e civilização/ Somente me interessam/ Contanto que me deixem meu cabelo belo/ Meu cabelo belo/ Como a juba de um leão”. Ela que, muitos anos depois, em “Plural” (1990), via Jorge Ben e Arnaldo Antunes, viria a sugerir que “Cabelo vem lá de dentro/ Cabelo é como pensamento”. Tudo isto para lembrar que em Gal nada é acessório. E que, ao longo de cinco décadas de uma carreira ímpar, raras foram as vezes em que não enjeitou a engendração de próteses memorialistas. No seu melhor, “Estratosférica” vem confirmá-lo.

Gal tem afirmado que este seu novo álbum, e “tudo o que tem feito ultimamente, começando por ‘Recanto’, é rutura, vanguarda”. Mas também tem dito que a ideia, agora, era “fazer um disco fresco, jovial, palatável”. À medida dessa ambição tirou umas delirantes fotografias em que, 30 anos depois de “Profana” (1984), torna a representar uma gueixa ou a moda cabúqui. Ela, que há muito mais que isso vem personificando a ‘Musa Cabocla’, de Waly Salomão: “Mãe matriz da fogosa palavra cantada/ Geratriz da canção popular desvairada”. Mas, precisamente com as canções que Caetano para si escreveu em “Recanto”, logo após ter feito justiça a um antigo e premonitório verso de António Cícero – “Sou de carne e osso e eletrónica” – seria inevitável esperar-se por mais. É o que se lê no poema de ‘Sem Medo Nem Esperança’, outra vez de Cícero, com que “Estratosférica” abre: “Nada do que fiz/ Por mais feliz/ Está à altura/ Do que há por fazer”. Mas, aqui, são poucas as ocasiões em que os compositores ao seu serviço se desembaraçam de arquétipos e se provam à altura do que aqueloutra canção de “Profana” postulava: “Passado-futuro-presente/ Fundido e confundido na minha mente”. Também os arranjos de Kassin possuem menor capacidade de síntese face aos do registo anterior. Destacam-se ‘Por Baixo’ (Tom Zé convocando o lúdico e o lúbrico), ‘Anuviar’ (a poética da síncope segundo Moreno Veloso e Domenico Lancelotti), ‘Dez Anjos’ (libelo de Milton Nascimento e Criolo) e o derrame de melodistas como Marisa Monte e Marcelo Camelo. Aí, Gal volta a ser o pacto entre canto e ato, o nexo entre texto e sexo. A que gritou ‘Meu Nome é Gal’, etc. e tal.

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