O cunho da completude seduz até o
mais zeloso dos colecionadores. E, aqui, que não precisamente a que prenda
conteúdos ao feitiço da chancelaria da Deutsche Grammophon, nenhuma outra razão
justifica que se colija o famoso CD em que Perlman acompanha Kathleen Battle
num programa consagrado a árias de Bach ou, até, aqueloutro em que, sentado no
pódio, de frente para a Filarmónica de Israel, o violinista teve Ilya Gringolts
como vigário. Aliás, em rigor, sete dos 25 títulos desta antologia provêm dos
arquivos da Decca, dando-se num deles, quiçá num esforço por preservar a
integridade original de cada edição, com um apêndice tão despropositado quanto
o de Ashkenazy e Harrell na sonata para violoncelo de Debussy. Diria um leitor
mais avisado que a Universal tenta encher com as entradas os comensais nas
lojas de discos antes que chegue o prato principal: “The Complete Warner
Recordings”, 77 CD com origem nos inesgotáveis e, no caso de Perlman,
inigualáveis espólios da RCA, His Master’s Voice ou EMI, e lançamento agendado
para finais de setembro, a que se seguirá, avulsamente, a comercialização em
outubro de muitos dos seus mais vitais registos (concertos de Mendelssohn,
Bruch, Bach, Brahms, Sibelius ou Tchaikovsky). Entretanto, a mesma Warner
colocou ontem no mercado o triplo “The Perlman Sound” e a DG respondeu com uma
novidade: sonatas de Fauré e R. Strauss, com Emanuel Ax. Se este parágrafo
fosse uma piada, o seu remate seria assim: Perlman não fica mais controverso do
que isto.
Itzhak Perlman fará 70 anos na
próxima segunda-feira. Possui uma premiadíssima discografia e será, porventura,
o mais consensual entre os violinistas no período que coincidiu com o declínio
de Heifetz, Milstein, Oistrakh, Grumiaux, Stern ou Menuhin – é-o também entre
os presidentes dos EUA, agraciado por Reagan, Clinton, George W. Bush ou Obama.
Figura televisiva desde a ida ao “Ed Sullivan Show”, em 1958, quando pôs um
país inteiro a comentar o talento de um menino de muletas vindo de Telavive (Perlman
contraiu o vírus da poliomielite em criança e habitou-se a olhares de ansiedade
e admiração por entrar em palco numa scooter
para pessoas com mobilidade reduzida), cada aparição sua na “Rua Sésamo” forçou
luthiers a horas extraordinárias. Isto
é, se a sua história entrasse no domínio da fantasia seria descrita como uma
força ao serviço do bem, ainda que um cínico fique indiferente a tamanha
bonomia. Para esse, nesta caixa, destaquem-se os concertos de Berg (aí, ninguém
contrabandeou a tonalidade como Perlman) e Elgar, em que está devastador, a
“Sinfonia Concertante”, com Zukerman e Mehta, e duas incisivas integrais: as
sonatas de Beethoven, com Ashkenazy (em especial a “Kreutzer”, a “Primavera” e
a sexta, em Lá maior – basta comparar com o que haviam feito Menuhin e Kempff
poucos anos antes), e as de Mozart, com Barenboim (em particular a K377, em Fá
maior, e as K378 e K454, em Si bemol maior). Porque a verdade é que Perlman – a
tocar folclore judaico, música para filmes ou a pôr um pezinho no jazz, por
sinal calorias daqui ausentes – não consegue evitar o virtuosismo mais do que é
capaz de fazer cara séria nas capas dos seus CD. A isso, há quem chame
simplesmente virtude.
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