Wadada
Leo Smith fala com relutância de Henry Threadgill, como um tímido que tenha
subitamente de revelar alguma coisa acerca de si mesmo. “Há tanto que partilhamos”,
reconhece. “Interessamo-nos por um assunto e exploramo-lo até à exaustão, como
que mergulhados num sonho. E o que daí resulta está impregnado de informação:
cultural, científica, biológica, psicológica. Mas não se trata de música
programática. Vive unicamente no momento em que está a ser executada e, aí, está
em permanente transformação.” É portanto mais antiga do que o que parece e, ao
mesmo tempo, muito mais recente do que aquilo que pode efetivamente ser. A
declaração surge no contexto de uma conversa que tem “The Great Lakes Suites”
como tema. Talvez por isso Wadada se furte a mais explicações, logo remetendo
para o poema que dedicou a Threadgill e que esse seu CD reproduz. Eis uns
versos: “O seu espetro tonal/ uma rica e luxuriante tela de unidades melódicas
culturalmente saturadas” ou “E todos o conheciam como o autor dos sonetos para
saxofone”. Neste seu novo álbum Threadgill não faz referência a sonetos mas
menciona “épicos”. Por sinal, embora não o tornando explícito, através de composições
(‘Ceroepic’, ‘Unoepic’, etc.) em que se reconhecem vagas latências
latino-americanas ou, pelo menos, a tração do trânsito transatlântico. De maneira
absurda traz até à memória que o mais inspirado nome entre a ordem dos zooides
é o da caravela-portuguesa. Pois neste “In for a Penny, In for a Pound” pressentem-se
as folgas das formas afro-cubana e afro-brasileira, a toada do tango, a flamância
do flamenco, o meneio da morna e o arrepio de muitas aliterações mais. Em comum
com modalismos hispânicos possui ainda relações intervalares, o atropelamento
dos ritmos ou a rigorosa obediência ao contraponto, mas, também, aquelas
melodias que se diriam imitar o grito de uma arara a irromper por uma vereda. É
uma morada morena para a música mestiça. E, porventura, entre a música de
câmara (esta para a tuba ou trombone de Jose Davila, a percussão de Elliott Kavee, o violoncelo de Christopher Hoffman e o violão de Liberty Ellman, além do
saxofone e da flauta do compositor), a mais radicalmente estimulante a chamar a si
um certo “artesanato furioso” desde que Boulez escreveu “Le Marteau sans maître”.
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