Espera-se
um piano e, de tantos zumbidos, é no Bartók de “Do Diário de Uma Mosca” em que
se pensa. O efeito é passageiro, pois logo se percebe que Delbecq simula um
daqueles idiofones africanos que se decoram com caricas. Estamos, então, no
domínio do ritual, dos ciclos da vida, da evocação de antepassados (no
alinhamento dá-se com uma ‘Family Tree’), aspetos mediúnicos que, como na
música dos shonas, permitem que se fique capaz de sonhar mais profundamente. É
um mecanismo a que o francês recorre com frequência. Numa nota sobre “Nancali”,
um antigo disco seu com François Houle, lê-se no guia Penguin: “Delbecq
transforma o seu instrumento num simples ‘piano de polegar’ e pressente-se uma
dança beduína.” Definitivamente, sim, há aqui algum do ecletismo desses
bacharéis em antropologia que decompõem a luz do exílio ao volante de um VW pão-de-forma.
Mas além de se salvaguardar o espírito de aventura também se cultiva uma
identidade própria. Nessa perspetiva, Delbecq sintetiza um interesse expressado
quer por Herbie Nichols quer por György Ligeti numa África esquecida e
enferrujada. Por outro lado, “Ink” indicia um impulso de adesão às poéticas visuais
– e, a espaços, os seus temas liquefazem-se nos tons pastel de um diário de
viagens –, o que, pelo menos em termos de premeditação concetual, lembra o Ran
Blake de “Painted Rhythms”. Poderia falar-se ainda em acordes como tambores a retumbar
pela noite ou em arpejos que soam a espanta-espíritos, mas isto não é Dollar
Brand. É Delbecq – e Miles Perkin e Emile Biayenda – a promover um raro tipo de
fusão que não requer representações indignas.
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