(ilustração de Joana Pires e David de Campos)
Prossegue Rui Eduardo Paes (R.E.P.)
o inventário etiológico das músicas inomináveis, perfumado pelos incensos do
medievo. Aliás, inicia-se a leitura deste segundo bestiário e, por intermédio
de uma citação de Chris Cutler (“A música começou por ser comunitária”), é em
São Isidoro que se pensa, de pena na mão, enxameado de ideias, destinado aos
livros como às colmeias se dedicam as abelhas. Isto, porque tal como o Bispo de
Sevilha, santo padroeiro dos cibernautas, também R.E.P. parece crer que sem a
música nenhuma disciplina se perfetibiliza. E não será o único. Nos momentos que
mais devem à tridimensionalidade neste seu livro, numa extraordinária
concatenação de díspares, distantes, distintas e só ocasionalmente disparatadas
declarações, é a música que conjuga todos os sistemas de conhecimento e todas
as formas de controlo. Parafraseando Pater, dir-se-ia, até, que pela
interpretação das suas páginas se presumiria que todas as ciências sociais
aspiram à condição de música, acotovelando-se antropologia, geografia humana,
sociologia ou filosofia social nas entrelinhas do que contam os discursistas (R.E.P.
entrevista Alexander von Schlippenbach, Jason Moran, Vijay Iyer, Craig Taborn
ou Eve Risser, só para citar pianistas). No entanto, ainda que de qualquer assunto
se abeire pela perspetiva da história, o modo de R.E.P. proceder é
eminentemente especulativo. Se assim não fosse, a enigmática evocação da
literatura fisiológica apensa ao seu título, estimulada, por sua vez, por um
versículo do livro de Job (“Mas, pergunta agora às alimárias, e cada uma delas
to ensinará; e às aves dos céus, e elas to farão saber”), não soaria
praticamente provocatória. Pois nem se suspeite por um instante que é outra, e
não a de R.E.P., a voz que aqui se ouve. “Bestiário Ilustríssimo #2” reúne 49
ensaios: “retratos de uma série de músicos que reputo importantes”. “Bala”,
putativamente o quinquagésimo, agrupa outros 50, funcionando mais como um
breviário ou “disparos congelados em pleno ar”. O tema é a
multidimensionalidade do tempo. Os textos “tiveram vidas anteriores em
revistas, folhas de sala de concertos”, embora lamentavelmente R.E.P. não os
distinga, nem date, mesmo se afirma coisas como “à data destes parágrafos”. A
unidade da coleção é algo factícia, quando não mera retórica, vagamente
moralizante, não obstante nada exegética, e nem todas as matérias se equivalem,
apesar de R.E.P. não as diferenciar. Quer dizer-nos tanto e, se calhar, o que
tem de melhor é o muito que ainda terá por nos dizer.
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