2 de outubro de 2015

Rui Eduardo Paes “Bestiário Ilustríssimo #II/Bala” (Chili Com Carne/Thisco)




 (ilustração de Joana Pires e David de Campos)


Prossegue Rui Eduardo Paes (R.E.P.) o inventário etiológico das músicas inomináveis, perfumado pelos incensos do medievo. Aliás, inicia-se a leitura deste segundo bestiário e, por intermédio de uma citação de Chris Cutler (“A música começou por ser comunitária”), é em São Isidoro que se pensa, de pena na mão, enxameado de ideias, destinado aos livros como às colmeias se dedicam as abelhas. Isto, porque tal como o Bispo de Sevilha, santo padroeiro dos cibernautas, também R.E.P. parece crer que sem a música nenhuma disciplina se perfetibiliza. E não será o único. Nos momentos que mais devem à tridimensionalidade neste seu livro, numa extraordinária concatenação de díspares, distantes, distintas e só ocasionalmente disparatadas declarações, é a música que conjuga todos os sistemas de conhecimento e todas as formas de controlo. Parafraseando Pater, dir-se-ia, até, que pela interpretação das suas páginas se presumiria que todas as ciências sociais aspiram à condição de música, acotovelando-se antropologia, geografia humana, sociologia ou filosofia social nas entrelinhas do que contam os discursistas (R.E.P. entrevista Alexander von Schlippenbach, Jason Moran, Vijay Iyer, Craig Taborn ou Eve Risser, só para citar pianistas). No entanto, ainda que de qualquer assunto se abeire pela perspetiva da história, o modo de R.E.P. proceder é eminentemente especulativo. Se assim não fosse, a enigmática evocação da literatura fisiológica apensa ao seu título, estimulada, por sua vez, por um versículo do livro de Job (“Mas, pergunta agora às alimárias, e cada uma delas to ensinará; e às aves dos céus, e elas to farão saber”), não soaria praticamente provocatória. Pois nem se suspeite por um instante que é outra, e não a de R.E.P., a voz que aqui se ouve. “Bestiário Ilustríssimo #2” reúne 49 ensaios: “retratos de uma série de músicos que reputo importantes”. “Bala”, putativamente o quinquagésimo, agrupa outros 50, funcionando mais como um breviário ou “disparos congelados em pleno ar”. O tema é a multidimensionalidade do tempo. Os textos “tiveram vidas anteriores em revistas, folhas de sala de concertos”, embora lamentavelmente R.E.P. não os distinga, nem date, mesmo se afirma coisas como “à data destes parágrafos”. A unidade da coleção é algo factícia, quando não mera retórica, vagamente moralizante, não obstante nada exegética, e nem todas as matérias se equivalem, apesar de R.E.P. não as diferenciar. Quer dizer-nos tanto e, se calhar, o que tem de melhor é o muito que ainda terá por nos dizer.

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