Deu-se a conhecer como Bishop,
depois passou a Bishop-Kovacevich, até que, por fim, só lhe restou o apelido
croata e, no trato, pouco sobrou de uma vergonha qualquer que o parecia perseguir.
Íntimos seus, referindo-se à questão, dizem coisas como: “Stephen pôde então
ser quem era”. É um detalhe biográfico que amiúde se repete, embora, em rigor, não
possua toda a equivalência artística que se lhe pretende imputar: ao piano,
Stephen Kovacevich nunca deu mostras de ser menos que si. Cumpre hoje os 75
anos e, nas lojas, comprova-o esta integral para a Philips (gravações entre
1968 e 1983). Faz-se a convocação do insólito (um “Jazz Calendar”, de Rodney
Bennett, que colocava solistas como Tony Coe ou Kenny Wheeler ao serviço de uma
peça a emular o cool jazz), mas sobressaem mais velhos
cavalos de batalha (o K. 467 ou o K. 488, de Mozart, algo refreados; o concerto
de Grieg, invulgarmente dedutivo, com a Sinfónica da BBC e Colin Davis praticamente
aborígenes; ou o de Schumann, cujo Intermezzo,
de tão empático, é quase coloquial). Mediu-se ainda espaço para revelações (o
sexto volume de “Mikrokosmos”, de Bartók, inédito em CD e, às suas mãos,
habitado por húmidas criaturas, rastejantes e noturnas) e curiosidades várias
(o seu Chopin, inesperadamente varonil; o Brahms, mergulhado em incensos, como
um brâmane; ou um disco de duetos com Martha Argerich, então sua companheira
doméstica). Acima de tudo, está cá Beethoven, a que deve a fama e que punha a discursar
sobre o transcendentalismo numa pronúncia rigorosamente prussiana, conjugando todo
o gosto da arte e todo o desgosto da vida.
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