Varduhi Yeritsyan (p)
Quem, este ano, ignaro dos seus
períodos de maior placidez e perturbação, se decida por explorar o alvor musical
do século XX a pretexto do tricinquentenário do nascimento de Sibelius e do
centenário da morte de Scriabin terá dificuldade em conciliar tudo o que se lhe
puser por diante, conquanto se tratem, no seu essencial, dos frutos de uma mesma
época: de um abissal mistifório, aquela, grosso modo, compreendida entre 1895 e
1915. Dir-se-ia, até, que pelos factos à disposição se pode ir dar a duas conclusões
inteiramente contraditórias: primeiro, derivada da audição da cândida obra sinfónica
do finlandês, por exemplo, que não se trata de uma fase tão agitada quanto se
pensava; e segundo, em consequência da análise das convulsas peças para piano
do russo, que, ao invés, ela foi mais prenhe em acontecimentos do que alguma
vez se podia imaginar. Só assim é na superfície, como se sabe. Aliás, talvez
por ter perfeita consciência dos semelhantes credos em que comungavam (vide
respetivas inclinações teosóficas, transcendentais, seráficas, sobrenaturais, enfim,
todo o colesterol do catecismo em que eram fartos) se tenha Glenn Gould socorrido
de ambos num dos seus discos mais esotéricos: o “Acoustic Orchestrations”. Mas serve
agora a sugestão para recordar, em Scriabin, o quanto se deteta ainda daquilo
que parece absolutamente alheio a este mundo, permanecendo as dez sonatas como
uma pendência dessa qualidade. Nelas, a arménia Varduhi Yeritsyan surge estrelante,
cintilante e bruxuleante, sublinhando o sinuoso e intensificando o indicioso, tudo
jungindo à inquietação, insinuação e sensualidade.
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