Subindo
ou descendo um degrau, Jesús Alemañy esticava bem os braços e fazia sucessivos
enquadramentos com as mãos. Estávamos numa coxia do Grande Auditório do Centro
Cultural de Belém, em 1999, e o líder dos Cubanismo verificava a disposição em
palco dos seus músicos durante o ensaio. “Isto não é muito diferente da
pintura”, dizia-me. “Olho para as secções da orquestra como se fossem cores
numa paleta: os sopros ali, o piano acolá, o par de bailarinos ao centro. É o
mesmo que representar volumes coloridos numa superfície plana. E, depois, na
hora do concerto, tudo ganha vida com o som.” Como numa composição cubista,
sugiro, algo inutilmente. “Pois claro”, responde. “Um cubismo cubano.”
Agora, através
da intromissão de um discreto parêntese no título deste seu CD, é a vez de
Aruán Ortiz se socorrer da analogia, remetendo para a obra de Wifredo Lam,
arauto da arte afro-cubana. Aliás, em termos afetivos, dir-se-ia, até, que este
“Cub(an)ism” evoca a geração de Nicolás Guillén, Alejo Carpentier ou Emilio Ballagas,
herdeira do modernismo finissecular, dada à observação dos escritos de Fernando
Ortiz e que teve, na música, Amadeo Roldán e Alejandro García Caturla como
expoentes. Bastará lembrar o que, em “Music in Latin America and the
Caribbean”, escreveu Malena Kuss acerca dos dois: “Ao jeito dos cubistas,
trataram de agrupar e justapor padrões rítmicos e blocos tímbricos como se
fossem formas abstratas, estilhaçando o que na música tradicional se enunciava
de modo contínuo.” Também Aruán Ortiz descontextualiza materiais,
apropriando-se de marcadores encontrados na semântica da rumba ou da tumba, por
exemplo, e colocando-os lado a lado com os do serialismo e indeterminismo. Há
estruturas que se contraem, outras que se expandem, alusões a motivos
familiares, mas não se busca tanto o transe quanto a transição: o piano, como
diria Lorca, tornado uma “harpa de troncos vivos”.
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