23 de setembro de 2017

"Pop Makossa: The Invasive Dance Beat Of Cameroon, 1976-1984" (Analog Africa, 2017)


Em meados de 1975 “o disco sound explodiu a sério”, conta James Brown na sua autobiografia. “Era uma simplificação de muito daquilo que eu andava a fazer, ou pelo menos daquilo que eles pensavam que eu andava a fazer. Mas o disco é só um pequeno aspecto do funk. É o final da canção, a parte repetitiva, a malha”, esclarecia. Depois, se fosse em banda desenhada, rematava com um daquelas frases que estão mesmo a pedir um Ba-Dum-Tss num balão: “Aquilo não passa da superfície. É que eu ensinei-lhes tudo o que sabem mas não tudo o que sei.” Perguntassem-lhe o que achava do primeiro single africano – e, já agora, o primeiro single de disco sound – a entrar no Top40 norte-americano (‘Soul Makossa’, de Manu Dibango, em 1973, muito à custa do proselitismo de David Mancuso na discoteca Loft) e é provável que Brown declarasse algo do género. Aliás, nem se esperaria outra coisa. Quer dizer, nas batalhas de influência cultural, para se referir à relação entre a sua música e a do resto do mundo, que considerava hegemónica, não se imagina o ‘Padrinho da Soul’ a reconhecer, como Horácio, em Roma, que a Grécia conquistada conquistou o seu conquistador. Provou-o, em 1975, ao gravar ‘Hustle!!! (Dead on It)’, uma canção tão à vontade entre os porto-riquenhos do Bronx, em Nova Iorque, quanto por entre os camaroneses do bairro de Château Rouge, em Paris. Verdade seja dita, em relação a estes últimos, quiçá demasiado à vontade. Um deles, o compositor e intérprete André-Marie Tala (por sinal, um protegido de Dibango), ao escutá-la, percebeu tratar-se de um plágio da sua ‘Hot Koti’. Meteu-lhe uma ação em tribunal e ganhou o processo em 1978, sem ressentimentos (“Quem não desejaria ver-se um dia imitado por James Brown?”, interrogava-se numa entrevista de há uns anos a “The Boston Globe”). Nesse particular, Tala teve quase tanta sorte quanto Dibango, que em 80 e picos foi compensado num acordo extrajudicial por Michael Jackson (basta pôr a tocar ‘Soul Makossa’ e ‘Wanna Be Startin’ Somethin’’, o tema de abertura de “Thriller”). Ora exogâmicos, ora endogâmicos, são enlaces absolutamente cruciais para o entendimento do que se escuta neste “Pop Makossa”, com os obscuros Bernard Ntone, Olinga Gaston ou Nkodo Sitony, a par dos mais conhecidos Bill Loko, Pasteur Lappé ou Eko Roosevelt, a operar nestas tangentes e a sugerir muitas outras mais, com suficiente confiança em si por saberem que, na altura, alguma da melhor música do planeta não passava sem um cheirinho de makossa para ser feliz.

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