2 de setembro de 2017

“Oté Maloya: The Birth of Electric Maloya on Réunion Island, 1975-1986” (Strut, 2017)


O grupo Cormoran fala-nos de exílio e emigração, mas também de intervenção e integração; Hervé Imare lança um apelo à solidariedade entre os povos; Vivi canta sobre a necessidade de um acordar coletivo, enquanto os Caméléon, de Alain Péters e Loy Ehrlich, fazem a denúncia do individualismo – de facto, não admira que um disco absolutamente emblemático do período (de 1982, o “La vie est un mystère”, dos Carrousel) tenha saído para as ruas já de punho erguido no ar, com a chancela da Édiroi (Éditions Reúnion Océan Indien), a editora do Partido Comunista da Reunião. Era uma fase em que, visto ao ecrã de um computador, no mapa-múndi, até a este píxel morto a leste de Madagáscar chegavam ventos de mudança, em que agentes ao serviço de uma identidade com raiz no paradoxo (a da cultura crioula, há muito corrompida e exaurida pela administração francesa) procuravam superar antagonismos sociais herdados do passado através de um conjunto de manifestações que, como na altura se dizia, evidenciavam uma revolta profunda contra as atividades ideológicas e artísticas dominantes. Foi a era da maloya-fusion, em que a própria música tradicional reunionense sofria um despertar político e poético, estimulada pela cafeína extraída ao jazz elétrico, à pop psicadélica ou ao rock progressivo. De tal maneira que aquela insólita coleção de idiofones e membranofones insulares (o roulèr, o pikèr, o kayamb ou o bobre) se via substituída por caixotes do lixo, chapas, baldes de tinta e vasos. Como um crítico mais edipiano poderia ter dito, o folclore do papá estava efetivamente morto. Aliás, ressentida pela forma em como a sua música mais subversiva adquiria um caráter institucional, num número da revista “Le rideau de cannes”, em Paris, a UGECR (União Geral de Estudantes Crioulos da Reunião) condenava o regime por “trazer para a luz do dia esta cultura da noite”. Apesar da UNESCO a ter entretanto arrumado no frigorífico do Património Imaterial (que prolonga a vida mas retira a frescura), ali, entre os anos 70 e 80, ela voltou a ser das sombras. E é de lá que agora regressa, espumando pela boca.

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