Quando
George Guest morreu, em 2002, o seu obituário no “The Guardian” trazia à
lembrança um “homem de exuberante riqueza – um nacionalista galês, a viver em
Cambridge, que revolucionou a forma de se interpretar música francesa por
intermédio de um dos maiores coros ingleses.” Aprecia-se o guisado de aparentes
contradições, na frase, mas nada é assim tão simples, nem tão complicado. No
entanto, a referência à sensibilidade gálica do coro de St John’s College, da
Universidade de Cambridge, que Guest dirigiu por quatro décadas, é
absolutamente certeira, conquanto pudesse tê-la o artigo localizado num
contexto mais competitivo, comparando-a, por exemplo, com a prática de um coro
rival, como o de King’s College, em que nos anos 60 se cantavam línguas vivas como
se provocassem abcessos dentários. Era um coro muito mais humano, o de St
John’s, por vezes gerando todo o tipo de perplexidades, como naquele instante
irrepetível, em 1974, em que grava o “Requiem” de Maurice Duruflé, na versão
para coro e órgão (com Stephen Cleobury), de modo a abalar o próprio
espaço-tempo, eras medieval e coetânea subitamente transformadas noutra coisa
qualquer, sob influência de feitiços. Será um dos pontos altos da presente
integral, não obstante gostos mais canónicos procurarem antes conforto nas
missas de Haydn acompanhadas pela Academy of St Martin in the Fields, de
Neville Marriner: a “Theresienmesse”, a “Harmoniemesse”, a “Heiligmesse”, a
“Schöpfungsmesse” e a “Paukenmesse” – registos de tal maneira exemplares que o
primeiro-ministro inglês Edward Heath decidiu oferecê-los a Paulo VI na sua
visita ao Vaticano de 1972, adquirindo o último deles, mais conhecido por
“Missa em tempo de guerra”, e tendo em conta o assunto na agenda (o conflito na
Irlanda do Norte, no ano do Domingo Sangrento), uma ressonância atual. É uma
sensação extensível a muito do que se reúne aqui, com cerca de 400 anos de
música (de Tallis a Britten e de Palestrina a Langlais) encerrados numa cápsula
multivitamínica.
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