Bernarda Fink (v), Anthony
Spiri (p), Gustav Mahler-Ensemble, Tonkünstler-Orchester Niederösterreich,
Andrés Orozco-Estrada (d)
A adaptação televisiva para o canal Biografia diria qualquer
coisa como “Uma Vida em Canções”. E, de facto, não se pode dizer que Bernarda
Fink decline uma leitura psicológica da matéria que tem em mãos. Ou seja, volta-se
à ideia do lied enquanto portal para o
âmago de Mahler. Nessa perspetiva, termina da melhor maneira o programa que a
cantora nos traz, com aquela entre as “Canções-Rückert” – “Eu estou perdido
para o Mundo” – que o compositor apontava como uma acabada descrição de si
mesmo: “Vivo só no meu paraíso/ no meu amor, na minha canção”. E nesse momento
– porque não há efetivamente forma de se pôr um pé na eternidade – o aveludado
mezzo-soprano deixa-se sumir, fechando com desarmante elegância o espaço de
intimidade que este recital torna acessível. É também um modo de renunciar ao
fatalismo que normalmente infeta estas páginas. E as peças da juventude agora
reunidas – “Na Primavera” ou “Canção de Inverno” – apenas antecipam uma ligação
algo antitética à natureza que o ciclo “Canções de um Viandante” (aqui,
estranhamente, na versão de câmara de Schoenberg) viria a confirmar: desabrocham
supersticiosas campainhas azuis ali, chilreia um inconsciente passarinho acolá,
um irresponsável tentilhão deseja “Bom dia!”, e o narrador fica preso nas suas
próprias ilusões, prostrado, condenado a sofrer e a definhar para sempre – em banda-desenhada,
uma caricatura de Mahler teria constantemente uma nuvem negra a pairar sobre a
cabeça. Fink sabe-o bem, e as suas “Canções sobre a Morte das Crianças” evitam
a histrionia e sugerem um conhecimento do Modelo de Kübler-Ross. Se há um
Mahler que não é para neuróticos, é este.
Sem comentários:
Enviar um comentário