Dir-se-ia
outra alma perdida para os berloques do esoterismo: em meados de 60, Bill Evans
era acompanhado por orquestras (Legrand, McFarland, Ogerman), tocava música
para filmes (Mancini, Ortolani, Rózsa), visitava os clássicos (Bach, Chopin,
Fauré), fazia de cicerone a Monica Zetterlund (fresquinha do último lugar
obtido no Festival da Eurovisão de 1963) e personificava o transtorno
dissociativo de identidade (“Conversations with Myself”, “Further Conversations
with Myself”). Vivia torturado por passadores de heroína, estava à mercê de
agiotas (ameaçavam partir-lhe os dedos sempre que falhava pagamentos) e, por
esses dias, mais facilmente se encontrava enfiado numa cabine telefónica de
agenda na mão e auscultador seguro entre o ombro e a orelha (pedia diariamente
dinheiro emprestado a amigos) do que em casa a tocar piano. Por tudo isso se
diz que as sessões representadas nesta integral da Fantasy, gravadas entre 1973
e 1979 e agora reeditadas, se assemelham a um renascimento. Em discos como
“Intuition”, “Alone (Again)” e “I Will Say Goodbye”, ou nos duetos com Tony
Bennett, cá estão novamente aqueles solos de infinitas matizes (Glenn Gould apelidava-o
de “Scriabin do jazz”), as construções rítmicas praticamente contraintuitivas
(Marian McPartland descrevia-as como “nadar contra a corrente”), o espontâneo coloquialismo
(com Eddie Gomez), o balanço entre candura e calculismo, o teclado como palco
de todas as vulnerabilidades mas também como acesso ao que possui cada pianista
de mais irredutível, enfim, os longos compassos agnósticos. Cumprem-se terça os
35 anos da sua morte.
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