Toca
Fred Hersch e vem à lembrança um velho truísmo que costuma acompanhar os
pianistas de jazz em contacto com o cânone: aquele que mede o sucesso de cada
um pelo efeito transfigurador da sua ação. Isto é, quão mais fragmentária e
dispersa parecer a sua relação com os materiais originais mais reconhecida será.
E é verdade que Hersch prefere a distorção à decoração, nessa perspetiva destacando-se
aqui um ‘Caravan’ em ritmo de tango e um Monk apropriadamente manco. Mas, de
tudo isto, sucede que o seu inverso também não é mentira nenhuma. Com
frequência, quem o ouve é levado a crer que Hersch aprecia testar um tema para
ver o quanto ele resiste a um tratamento obsessivo às suas mãos. Talvez por isso
termine este recital a solo, captado em agosto de 2014 e editado a tempo de
assinalar o seu sexagésimo aniversário, com uma sensível, e jamais sentimental,
evocação de ‘Both Sides Now’, a canção que Joni Mitchell compôs a partir de uma
frase achada num romance de Saul Bellow para explicar que há mais de uma forma
de se olhar para cada coisa e para os demais. Sabe-o bem Hersch, que já viu a
vida dos dois lados. E, do mesmo modo, não ignora que, por vezes, como afiançava
Bill Evans numa entrevista a Marian McPartland, gosta-se tanto de uma melodia
que não se consegue fazer melhor do que tocá-la tal como ela é. Conceda-se:
Hersch é mais elíptico que Evans (que em 1975 gravou ‘People’ durante cerca de
13 minutos sem improvisar um único segundo), mas há algo dessa asserção na
maneira em como, de Jobim, enuncia ‘Olha Maria’ ou ‘O Grande Amor’. É o que normalmente
se chama de fidelidade.
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