Ferrara Ensemble, Crawford
Young (d)
Todo ele notável, “Corps Femenin: Duke John of Berry’s
Lyrical Avant-Garde”, o mais recente dos discos aqui coligidos,
editado em 2010, possui notas de apresentação não menos célebres. Nelas, Crawford
Young sugeria que se Dante tivesse começado a escrever a sua famosa descrição
do inferno no início do século XV, i.e., 100 anos mais tarde, incluiria entre
os seus residentes o ilustre João de Valois, Duque de Berry, amigo de Machaut e
destacado patrono das artes, que para toda a parte se dirigia acompanhado por
um casal de ursos e de quem aproveita, já agora, para esboçar um retrato entre o
avaro e o voraz. A ideia é inspirada e serve para atalhar caminho, pois logo
semeia expetativas quanto à música que semelhante figura permitiria que se
escutasse nos seus castelos. Grosso modo, a de Trebor, Solage, Senleches e
daqueles, como Grimace, Ciconia ou Philipoctus de Caserta, que praticavam a Ars subtilior (a “arte mais refinada”, conforme
a caracterizou a musicóloga Ursula Günther, distante desse tempo de
pragas, pestes, tumultos e tributos sem fim) e que viram muita da sua obra reunida no Códice
de Chantilly. E é uma música inimaginavelmente complicada, cifrada,
ambígua, simbólica e alegórica, embora a sua construção seja continuamente charmosa
e a sua configuração canónica. E, entre 1995 e 1998, em “Balades
a III Chans”, “Fleurs de Vertus” e “En Doulz Chastel de Pavia”, com um invejável
critério estilístico e uma conjunção sentimental e corporal inigualável, já
Young e o Ferrara Ensemble a tinham posto a pairar definitivamente a
vários milímetros do mundo real, rumo ao paraíso.
Sem comentários:
Enviar um comentário