Da Declaração
da Independência dos Estados Unidos da América inferem, possivelmente, que todos
os homens são dotados de “certos direitos inalienáveis”. Isso e, claro, a
premissa de que são criados iguais. Pois a verdade é que em nenhum momento
deste “The Declaration of Musical Independence” se desune a energia ou dissipa
a individualidade de que o quarteto de Andrew Cyrille (bateria e percussão), Bill
Frisell (guitarra elétrica), Richard Teitelbaum (sintetizador e piano) e Ben
Street (contrabaixo) se compõe. Aliás, escutam-se os temas do CD e vem à
memória uma conversa entre Cyrille e o crítico Ted Panken, reproduzida nas
notas de apresentação de um par de álbuns seus com Anthony Braxton (“Duo
Palindrome”, 2004), em que o músico dizia: “É difícil explicar por palavras.
Mas às vezes é possível fazermos analogias para justificar aquilo que pensamos
e sentimos. Então vêm-nos à cabeça conceitos como ‘tempo líquido’ [para
explicar a pulsação básica subjacente ao que fazemos]. Para mim, ‘tempo
líquido’ teria a ver com água, no sentido em que detetas movimento, mas nenhuma
divisão. Olha o oceano: não vês movimento? Não vês ritmo? Mas está alguma coisa
separada?” É uma ideia crucial para se entender aquilo que de mais
significativo tem realizado ao longo das últimas seis décadas. E, no fundo, uma
aptidão que cedo fez conhecer – basta lembrar aquela milagrosa sessão com Walt
Dickerson (“To My Queen”, 1962) e verificar como a influência que exercia sobre
a cadência do conjunto era capaz de sugerir a atração das ondas do mar pela
lua. Esse fluxo e refluxo nota-se de novo aqui, numa música que recorda ainda o
tempo que Cyrille passou a tocar com bailarinos, embora, no caso, num contexto
em que as suas coreografias se vissem subitamente afetadas pela ausência de
gravidade. Trata-se de uma música mais espaçosa do que atmosférica, mais
ilusória que concreta e, como um dia disse Cecil Taylor acerca da ação de
Cyrille, mais mágica que lógica. É uma música que só quer depender de si.
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