Entre dezenas de páginas, sob a
égide do Gabinete para Assuntos Culturais e Educacionais, e subordinada à
epígrafe “Documentação de tradições musicais e expressões artísticas ameaçadas
no Mali”, a génese desta extraordinária antologia encontra-se no relatório de
2011-12 do Fundo Embaixador para preservação cultural do Departamento de Estado
norte-americano: “Um período de rápida urbanização e convulsão social sem
precedentes tem contribuído para o desgaste contínuo e eventual abandono de tradições
musicais no Mali que, no passado, desempenharam um papel crucial no fomento de
laços entre grupos tribais. Este projeto inclui o registo de instrumentos de sopro,
cordas e percussão tradicionais, assim como do património intangível associado
aos mesmos.” Da subvenção beneficiou Paul Chandler, proprietário dos estúdios
de gravação Studio Mali e professor de música na Escola Americana de Bamako,
que, de pronto, partiu para o terreno. Deste aí, em i4africa.org, partilhou um trabalho
que se provou deslumbrante e dilacerante em partes iguais, como o Mali e o
mundo. Num vídeo, Afel Bocoum diz: “Sei que, como a vida, também cada canção
tem o seu fim”. Noutro, Thimsi Bocoum toca um antepassado do violino e ouve-se:
“Isto faz-nos sentir noutro sítio, capazes de tudo. Até de resistir a essa
gente.” A voz refere-se aos agentes do Ansar Dine que, em meados de 2012, no
norte do país, tinham proibido qualquer tipo de manifestação musical. Em Gao, dedilhando
o único ngoni que nessa altura conseguiu
esconder, Yehia Samaké conta como os jiadistas destruíam instrumentos. Vê-se
ainda Ibrahim Touré, o último intérprete do bolon
(“antigamente, para me ouvirem tocar”, diz, “tinham de derramar sangue sobre o bolon”), ou Sidiki Coulibaly, com este
desabafo: “Os jovens não querem aprender a tocar o simbi. Agora, eu, mesmo que me digam que vou parar ao inferno por
tocá-lo, não posso parar. Porque se não o puder tocar é sinal que a minha vida
na terra já se transformou num inferno.”. E se calhar já.
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