Até no mais organizado
dos eventos se dá por algo de fortuito. Observe-se o programa da 6ª edição do Jazz Festival Willisau, de 1980, proveniente de uma era em que jazz e sexo
faziam parte da mesma equação (a capa da brochura está ilustrada por um
saxofone tenor com uma cabeça de serpente no lugar da boquilha e o corpo de uma
mulher em substituição da campânula). São 67 páginas a rebentar de informação
útil, com um mapa a discriminar os palcos do evento, publicidade a cerveja,
vodka e à Coca-Cola, a aparelhagens, garagens e a discos, com uma
fotorreportagem dos melhores momentos de ‘79, matérias consagradas a artistas
plásticos, apontamentos jornalísticos contextualizando a produção dos
implicados no cartaz desse ano, ensaio, crítica ou, claro, a biografia de cada
participante propriamente dita. É aí que se anuncia o inopinado Musical
Monsters, composto por nomes bem conhecidos do certame, como John Tchicai,
Irène Schweizer, Pierre Favre e Léon Francioli.
Agora, 36 anos depois, nas
notas de apresentação de um CD que traz a lume o registo desse concerto e saída
da boca de Niklaus Troxler, diretor artístico do festival, surge, enfim, a explicação
para o eufemismo: “O Don tinha passado por cá em ‘78, com os Codona, e
falei-lhe do John, de quem ele tinha perdido o rasto. Mostrou-se disponível
para que eu marcasse alguma coisa e pensei logo nesta formação.” Só que, depois
de terem tudo combinado, o errante Cherry ficou subitamente incontactável.
Aproximava-se agosto e Troxler acabava de perder um trunfo: não podia
arriscar-se a divulgar o seu nome. Em cima da hora, o trompetista liga-lhe e
pergunta despreocupadamente: “Vou atuar no teu festival?” Ouve-se hoje “Musical
Monsters” e a primeira coisa que salta à mente é que Cherry (na foto, precisamente em Willisau) já não
tocava música desta. Até que, num instante, se transplantam para a floresta
tropical fanfarras e marchas típicas do free
e Tchicai, que tinha ascendência congolesa, dá voz a reminiscências de
polifonia centro-africana e lembra o que o seu convidado faz ali: é que Cherry
tinha o dom de trazer ao de cima de cada pessoa com que se cruzava o que de
menos artificial ela possuía. Em Willisau, o 30 de agosto de 1980 não foi
exceção.
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