8 de outubro de 2016

Don Cherry, John Tchicai, Irène Schweizer, Léon Francioli, Pierre Favre “Musical Monsters” (Intakt, 2016)



Até no mais organizado dos eventos se dá por algo de fortuito. Observe-se o programa da 6ª edição do Jazz Festival Willisau, de 1980, proveniente de uma era em que jazz e sexo faziam parte da mesma equação (a capa da brochura está ilustrada por um saxofone tenor com uma cabeça de serpente no lugar da boquilha e o corpo de uma mulher em substituição da campânula). São 67 páginas a rebentar de informação útil, com um mapa a discriminar os palcos do evento, publicidade a cerveja, vodka e à Coca-Cola, a aparelhagens, garagens e a discos, com uma fotorreportagem dos melhores momentos de ‘79, matérias consagradas a artistas plásticos, apontamentos jornalísticos contextualizando a produção dos implicados no cartaz desse ano, ensaio, crítica ou, claro, a biografia de cada participante propriamente dita. É aí que se anuncia o inopinado Musical Monsters, composto por nomes bem conhecidos do certame, como John Tchicai, Irène Schweizer, Pierre Favre e Léon Francioli.

Agora, 36 anos depois, nas notas de apresentação de um CD que traz a lume o registo desse concerto e saída da boca de Niklaus Troxler, diretor artístico do festival, surge, enfim, a explicação para o eufemismo: “O Don tinha passado por cá em ‘78, com os Codona, e falei-lhe do John, de quem ele tinha perdido o rasto. Mostrou-se disponível para que eu marcasse alguma coisa e pensei logo nesta formação.” Só que, depois de terem tudo combinado, o errante Cherry ficou subitamente incontactável. Aproximava-se agosto e Troxler acabava de perder um trunfo: não podia arriscar-se a divulgar o seu nome. Em cima da hora, o trompetista liga-lhe e pergunta despreocupadamente: “Vou atuar no teu festival?” Ouve-se hoje “Musical Monsters” e a primeira coisa que salta à mente é que Cherry (na foto, precisamente em Willisau) já não tocava música desta. Até que, num instante, se transplantam para a floresta tropical fanfarras e marchas típicas do free e Tchicai, que tinha ascendência congolesa, dá voz a reminiscências de polifonia centro-africana e lembra o que o seu convidado faz ali: é que Cherry tinha o dom de trazer ao de cima de cada pessoa com que se cruzava o que de menos artificial ela possuía. Em Willisau, o 30 de agosto de 1980 não foi exceção.

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