Perguntam-lhe
“Porquê Trácia?”, nos materiais promocionais da editora, e Jean-Guihen Queyras
dá uma resposta que se diria formada em partes iguais por engenho e instinto,
inteligência e imaginação: “Primeiro, porque muitas das peças que constituem o
alinhamento deste disco provêm daí, dessa região da península dos Balcãs que se
estende por áreas turcas, búlgaras e gregas atuais. Depois, porque os trácios,
cuja civilização floresceu nos séculos terceiro e segundo antes de Cristo,
foram um povo aventureiro e curioso, aberto ao intercâmbio com outras culturas,
o que nos proporcionou uma metáfora muito bela para o trabalho que temos vindo
a desenvolver e que tem como objetivo o estabelecimento de pontes entre
tradições musicais a mundos de distância umas das outras.”
Falando acerca da
sua Bósnia natal, em “Breviário Mediterrânico”, Predrag Matvejevic escreveu
acerca de uma terra de cruzamentos, de ponto de encontro (e desencontro) entre
Ocidente e Oriente, de fronteira, de campo de batalha para cristianismo e islão,
mas também propôs a figura de um “terceiro elemento” na composição de um
híbrido cultural feito de opostos como leste/oeste, norte/sul ou terra/mar mas
capaz de os superar a todos. De certa forma, num quarteto tão insólito
(Queyras, mais francófono do que estritamente francês, Sinopoulos, mais
bizantino do que grego, e os dois irmãos Chemirani, mais latinos do que
rigorosamente iranianos), não se anda longe de propor o mesmo. Mas, no caso,
discutindo afinidades modais (já para não dizer morais), interpretação
historicamente informada, contemporaneidade e eternidade. As cordas e os arcos
do violoncelo e da lira turca (equivalente local do kamancheh persa) parecem sugerir um tratado de agógica enquanto darbukas e adufes cumprem uma função
mais pedagógica. Juntos, trazem à memória outra frase de Matvejevic: “Estados e
Igrejas, monarcas e prelados, legisladores laicos e religiosos esforçaram-se
por dividir o espaço e os homens. Mas os laços interiores resistiram às
partilhas. O Mediterrâneo é mais do que uma simples pertença.” É um destino.
Esta música também.
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