Vivia
com a franqueza tatuada no rosto, era acessível no trato e de gargalhada fácil,
nada lhe tirava o boné de basebol da cabeça e não abdicava de um tipo de
frontalidade que denunciava a origem nova-iorquina. Perguntavam-lhe se gostava
de “música minimal” e ele respondia que não. Reconheciam-lhe aquela espécie de
delinquência moral própria dos revolucionários, mas ele via-se mais no papel de
restaurador. Interrogavam-no quanto ao futuro da música e, no entanto, ele
parecia preocupar-se mais em complementar cada passo em frente rumo ao
desconhecido com dois para trás em direção à tradição.
Não obstante tamanho pudor, ou por isso mesmo, Steve Reich, que depois de amanhã faz 80 anos e que nas últimas décadas se veio a provar um dos mais influentes e instantaneamente reconhecíveis compositores em atividade, não se conseguia soltar de uma abominável reputação. Em 1997, num depoimento incluído nas notas de apresentação de “Works: 1965-1995” (10 CD, Nonesuch), o maestro Michael Tilson Thomas, um dos primeiros a querer levar as pulsantes obras de Reich para o taxidérmico espaço dos grandes auditórios, recordava a estreia de “Four Organs” no Carnegie Hall, em 1973: “Não tínhamos avançado mais que uns minutos na peça e já se notava uma enorme inquietação na plateia: agitavam-se programas de forma ostensiva, tossia-se exuberantemente, as pessoas não paravam quietas nas cadeiras até que o progressivo aumento de suspiros, gemidos e exclamações atinge níveis verdadeiramente cacofónicos. Tentou abafar-se a atuação umas três vezes à custa de tanto alarido. Uma mulher correu pela coxia abaixo e começou a bater com a cabeça no palco, gritando: ‘Parem! Eu confesso’. Quando acabámos deu-se um instante de silêncio seguido de uma avalanche de apupos. O Steve estava lívido. Virei-me para ele e disse: isto foi fantástico!” Só para evocar nomes ao longo dos anos citados por Reich, da estreia de “A Sagração da Primavera”, de Stravinsky, à decisão de Miles Davis e Bob Dylan se virarem para a eletricidade ou de John Coltrane optar por um caminho que a “Downbeat” caracterizava de “anti-jazz”, a história da música está cheia de referências definitivas que se confundem só com o final de alguma coisa quando, no fundo, são o princípio de muitas mais.
Não obstante tamanho pudor, ou por isso mesmo, Steve Reich, que depois de amanhã faz 80 anos e que nas últimas décadas se veio a provar um dos mais influentes e instantaneamente reconhecíveis compositores em atividade, não se conseguia soltar de uma abominável reputação. Em 1997, num depoimento incluído nas notas de apresentação de “Works: 1965-1995” (10 CD, Nonesuch), o maestro Michael Tilson Thomas, um dos primeiros a querer levar as pulsantes obras de Reich para o taxidérmico espaço dos grandes auditórios, recordava a estreia de “Four Organs” no Carnegie Hall, em 1973: “Não tínhamos avançado mais que uns minutos na peça e já se notava uma enorme inquietação na plateia: agitavam-se programas de forma ostensiva, tossia-se exuberantemente, as pessoas não paravam quietas nas cadeiras até que o progressivo aumento de suspiros, gemidos e exclamações atinge níveis verdadeiramente cacofónicos. Tentou abafar-se a atuação umas três vezes à custa de tanto alarido. Uma mulher correu pela coxia abaixo e começou a bater com a cabeça no palco, gritando: ‘Parem! Eu confesso’. Quando acabámos deu-se um instante de silêncio seguido de uma avalanche de apupos. O Steve estava lívido. Virei-me para ele e disse: isto foi fantástico!” Só para evocar nomes ao longo dos anos citados por Reich, da estreia de “A Sagração da Primavera”, de Stravinsky, à decisão de Miles Davis e Bob Dylan se virarem para a eletricidade ou de John Coltrane optar por um caminho que a “Downbeat” caracterizava de “anti-jazz”, a história da música está cheia de referências definitivas que se confundem só com o final de alguma coisa quando, no fundo, são o princípio de muitas mais.
Aliás, quão irónico é seguir por
estes dias as agendas de instituições sediadas em Londres, São Francisco,
Milão, Paris, Colónia, Bucareste, Los Angeles, Bruxelas, Amesterdão, Munique ou,
claro, a do próprio Carnegie Hall, e ver que todas reclamam o repertório de
Reich como seu. Não que se tenha substancialmente alterado. E, sim, instantes
há em que o melhor de si é aquilo que dá mostras de se extrair após uma certa
saturação. Talvez por isso, e até ao momento em que assinou pela Nonesuch, não
tenha Reich gozado de relações duradouras com editoras, passando por CBS, Angel
e DG antes do simulacro de estabilidade que a ECM de Manfred Eicher lhe
proporcionou. Vêm desse período seminal “Music for 18 Musicians”, “Music for a
Large Ensemble”, “Violin Phase”, “Octet” e “Tehillim”, lançadas entre 1978 e
1982 e agora reeditadas, na altura estranhas, presentemente íntimas, então
intoleráveis, hoje aceites como um facto da vida. Tornar a ouvi-las é ir de encontro àquelas
palavras de John Adams, proferidas a propósito de Reich: “Não é tanto reinventar a roda quanto descobrir
uma nova maneira de a usar.”
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