Era impossível trocar emails com Uchenna Ikonne. Quando dava
sinais de vida, tarde e a más horas e sempre com um original non sequitur na ponta da língua, levava
a Nigéria a corar de vergonha: continuava com problemas na ligação à internet, tinha
falhas na rede elétrica, estava de regresso de uma província sem cobertura
telefónica, era iminente a falência generalizada de infraestruturas no país! Apropriadamente,
o último post no seu blog, em 2012, começa assim: “Tenho tido
chatices com o Blogger.” E nunca respondeu à última coisa que lhe disse: “Não
devias ter assumido que tinham perdido a cabeça durante a Segunda República!
Isso abre caminho a que se conclua que se tornaram merecedores da ditadura
militar!” Do que falávamos? De música, claro. Daquela maravilhosa música de que
Uchonne detinha subitamente a tutela ao produzir “Brand New Wayo: Funk, Fast
Times & Nigerian Boogie Badness 1979-1983”, até hoje insuperável em matéria
de compilações de disco sound africano. Como ele dizia: “Era a música
dos nossos sonhos. Aliás, a música que nos fazia sair do pesadelo da guerra
civil e esquecer aquelas terríveis imagens com crianças subnutridas de barriga
inchada. Vivíamos em democracia. Depois da crise do petróleo, o naira valia o
dobro do dólar. Vinham cá Kool & The Gang, Shalamar, Skyy. Abriam
discotecas umas atrás das outras.” Trazia à memória o que Bill Brewster e Frank
Broughton escreviam em “Last Night a DJ Saved My Life”: “O disco sound foi revolução, liberdade, camaradagem e amor. Foi sujo,
espiritual e poderoso. Secreto, marginal e perigoso. Emancipação e redenção.”
Agora, Brewster redige as notas com que a Soul Jazz apresenta esta nova evocação
do período e quase se pressente a sua nostalgia ao escutar o que criam aqui Tee
Mac, Christy Essien, Benis Cletin, Angela Starr ou Joni Haastrup. Coisas que
não viveu, mas que fazem integralmente parte de si. E de todos nós.
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