Respira
a noite em Bamako. Há um longínquo rumor que é próprio do mundo, mas, aí, no
bairro de Ntomikorobougou, a pouca distância do corredor verde que liga a
Câmara Municipal, o Jardim Botânico, o Museu Nacional e o Jardim Zoológico, é o
descomprometido balido de um cordeiro, o desinteressado berro de uma cabra ou o
estridular cortês de um grilo que se ouvem, até que, do telhado de sua casa, como
quem alumia a escuridão, começa delicadamente Ballaké Sissoko a tocar a corá. Tem
a seu lado Vincent Segal, como, aliás, tem sido costume nos últimos seis anos,
desde que os dois lançaram “Chamber Music”. Ao violoncelo, em pizzicato, o
francês parece imitar as pegadas dos vizinhos que, cansados de rezar, assomam à
soleira da porta em busca de conforto ou, pelo menos, de algo para contrapor à
realidade das notícias. Nessa semana de 12 de janeiro, uma tão boa como outra
qualquer para a esperança morrer, tinha inclusivamente dado nos telejornais: o norte
do Mali permanecia a ferro e fogo e em Paris e demais capitais europeias sucediam-se
as manifestações de solidariedade às vítimas dos atentados – todos eram Charlie.
Num depoimento reproduzido no CD, Segal recorda essas inusitadas sessões de gravação:
“Foi como se o bairro inteiro tivesse de ouvir a corá e o violoncelo para
conseguir finalmente dormir como uma criança. Os vizinhos, pela manhã, apareciam
a dizer que mesmo entregues ao sono nos tinham continuado a escutar.” Daí, quiçá,
e não pela adesão ao modelo cultivado por John Field e logo desenvolvido por
Chopin, a evocação titular do noturno: porque esta música acalenta o sonho.
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