Chopin: Scherzi; Tchaikovsky: Les Saisons
Lang Lang começa lentamente a tocar a Barcarola, de “As
Estações”, de Tchaikovsky, e logo o ecrã é tomado por platitudes turísticas: o
Sena cruzado por pachorrentos Bateaux-Mouches, a Pont Neuf atravessada por vaidosos
pares de namorados, uma criança deslizando de trotinete até ao Quai de la
Tournelle, a basílica de Sacré-Coeur, inchada como um zepelim entre as nuvens, o
Génie de la Liberté, orientando o trânsito da Place de la Bastille enquanto carrega
na mão esquerda as correntes quebradas do despotismo, o agulhão sombrio da
catedral de Notre-Dame, o foguetão da torre Eiffel apontado ao céu lilás. A
cada plano da cidade corresponde outro do pianista chinês, dependurado de umas
águas-furtadas como uma górgone, sentado à mesa de um café ou admirando a vista
de um terraço. De olhos bem abertos e com o cabelo cuidadosamente espetado,
traz à memória um daqueles gatos que Raymond Guix pinta no seu estúdio da rua
Lepic e coloca em vigília noturna por toda a Paris. Em off, fala das fortes relações entre a capital francesa e a música
romântica. Mas o clima dominante é o do último verso de Pleshcheyev que, em
epígrafe, acompanhava a edição original da Barcarola, um de “misteriosa melancolia”.
E, de súbito, é como se através do DVD se viesse revelar uma dolorosa singularidade
em cada imagem, em cada gesto e em cada nota de música. De forma inesperada, é
na obra do russo (mais dedicada aos meses do ano do que propriamente às suas
estações) que Lang Lang a projeta, já que no Chopin dos quatro Scherzo se esforça demasiado por
introduzir um raio de sol num local em que a luz não entra.
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