Complicavam-se
as coisas em disputas territoriais com a Eritreia, mas também é verdade que
pela Adis Abeba de finais dos anos 90 se tornava a respirar: reabriam-se
fronteiras, relaxava-se o controlo alfandegário, recebiam-se estrangeiros e
expulsava-se da memória a repressão política no regime dos Derg, a repreensão nas
artes, o recolher obrigatório. Daí, então, escrevia Francis Falceto um capítulo
a transbordar de otimismo para o antológico “Rough Guide: Africa, Europe and
the Middle East” em que falava da singularidade da música etíope por meio de
uma metáfora: “A sua característica mais significativa é recorrer a uma escala
pentatónica com intervalos irregulares: é como atirar uma pedra para um poço
para ouvir o som que faz ao cair na água e, depois, não haver barulho nenhum.” Podia
ter dito que é como tentar dançar a valsa depois de mascar qat que não seria mais críptico. Por isso, a sua coleção, a
Éthiopiques, veio facilitar a vida a muita gente. E ao 13º volume, em 2003,
punha em pratos limpos uma importante questão: ‘Musicawi Silt’, o magnético tema
que, desde 1998, promovia um novo esperanto através de versões de Daktaris,
Antibalas ou Secret Chiefs 3, era um original da Walias Band, extraído a “Tche
Belew”, um LP de 1977. Mas foi preciso outra década para se descobrir que Hailu
Mergia, líder do conjunto, estava há muito longe de casa, a trabalhar como taxista
na cidade norte-americana de Washington. Brian Shimkovitz, do blog e editora
Awesome Tapes From Africa, contou a sua história quando, em 2013, lhe reeditou
“Shemonmuanaye”. E agora acrescenta-lhe um capítulo crucial: este manifesto de felicidade
e fantasia em que participa Mulatu Astatke, um clássico em qualquer escala pronto
a devolver a luz à noite dos tempos.
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