Há
coisa de um mês, pelo telefone, em entrevista ao Expresso, Wayne Shorter explicava
que “há momentos na nossa vida em que temos de nos pôr atrás do volante e
decidir o caminho a seguir”. E, antes que se tomasse a frase por uma citação de
Cervantes, acrescentava algo que lhe vinha então à cabeça, e que parecia
depender da maneira em que, naquele preciso instante, a janela da sua sala de
estar enquadrava a vista para Hollywood: “Se alguém ali de baixo te ligar a
dizer que quer fazer o filme da tua vida não podes deixar que te contratem como
figurante: tens de exigir o papel principal!” Será disto que nos vem agora
falar Tony Allen? Talvez. Pelo menos admitindo que cada ensaio seu serve de
pretexto para que se vá ao encontro de uma esfuziante energia – patenteada em
“No Discrimination”, em 1979, na altura em que finalmente se libertou da tutela
de Fela Kuti – que exemplarmente representava as ações de um homem a
preparar-se para um definitivo ajuste de contas com o destino. Ideia que logo
se reanima com a audição de ‘Moving On’, o primeiro dos temas deste novo álbum,
em que, apoiado numa daquelas peculiares construções rítmicas em que negoceia graciosamente
com cimento armado, vai enumerando, um a um, de “Progress” e “No Accommodation
for Lagos” a “Psyco On Da Bus”, os discos que ao longo dos anos liderou. Mas,
acima de tudo, quando fala do nimbo que cobre a Nigéria ou dos enterros de
emigrantes no Mediterrâneo, dir-se-ia que Allen, o baterista que está para o afrobeat como Milton Banana esteve para
a bossa nova, procede com coerência justamente ao evitar olhar em demasia para o
passado: e aí “Film of Life” é deslumbrante.
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