Em
finais dos anos 80, isto é, no que tem de considerar-se a sua fase
pré-histórica, era possível aceder a uma página da internet insolitamente alojada no sítio da Universidade de
Duisburgo e, desse modo, consultar uma exaustiva relação subordinada ao tema “Workshops,
Workshop TV e Concertos radiofónicos na NDR – Radiodifusão do Norte da
Alemanha”. A lista, reunida por um Dr. Michael Frohne, melómano e dentista,
mais não era, no fundo, do que um inventário de registos, em cassete, de
programas com concertos de jazz promovidos e emitidos pela estação de Hamburgo.
E, até 1988, aí se discriminavam 227 datas protagonizadas por luminárias do
jazz europeu e norte-americano, consagrando-se um par de entradas a Keith
Jarrett: 14 de junho de 1973 e 18 de abril de 1974. Dessas, se a segunda estava
correta – uma apresentação do grupo que gravaria “Belonging” na semana seguinte
– já a anterior, precisamente este trio com Haden e Motian, acertava no dia e
no mês e falhava no ano. Nada que uma nova etapa no sistema de desenvolvimento
da rede – a dos fóruns – não viesse corrigir.
Afinal,
tinham tocado em 1972 e havia provas concretas: um LP de tiragem limitada e
comercialização interdita, com o número de série “NDR 0666063”, na capa
estampado “Jazzworkshop ‘72”, e com dois temas dos Return to Forever, de Chick
Corea, no Lado A, e quatro do trio de Jarrett no Lado B. Até que, entretanto, já
neste século, tornou-se claro que o título em causa era apenas um entre muitos:
a coleção da NDR inclui discos de Steve Lacy, Jan Garbarek, Lee Konitz, Carla
Bley, Tony Scott, John Surman, Weather Report ou Soft Machine. Mas, como não
poderia deixar de ser, era o de Jarrett o mais apetecido. E, em leilões, de
2004 a 2007, por exemplo, chegava a ser transacionado por valores na ordem dos
300 ou 400 euros. Já em 2008 e em 2009, em CD e DVD, sob a designação “Live in
Hamburg 1972”, a emissão via integralmente a luz do dia através de edições de
legitimidade e qualidade discutíveis. Erros que este lançamento da ECM vem agora
emendar.
“Hamburg
‘72” é um documento fascinante. Testemunha a primeira digressão europeia do
trio num momento em que, com a adição de Dewey Redman, estava em curso o seu
processo de transformação em quarteto. O repertório é em parte o que se espera:
eis o esotérico ‘Everything That Lives Laments’, vindo de “The Mourning of a
Star”, o estridente ‘Piece for Ornette’, chegado das sessões de “El Juicio”, e
o exuberante ‘Take Me Back’, que nesse mesmo ano ganharia forma em “Expectations”.
Mas há aqui um inédito (‘Life, Dance’), um precoce ‘Rainbow’ (que só viria a
ser gravado em “Byeblue”, em 1976) e uma inesperada versão de ‘Song for Che’, o
original de Haden que, sete meses antes, durante o 1º Festival Internacional de
Jazz de Cascais, numa noite em que Jarrett também subiu ao palco do Pavilhão do
Dramático, lhe valeu uma detenção pela PIDE. Jarrett toca piano, pandeireta,
flauta e saxofone soprano e, como um crente, está permanentemente entre a
agonia e o êxtase.
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