A
analogia mais comum para os bardos da cultura mandinga é a que envolve um antigo
provérbio que, em 1960, Amadou Hampâté Bâ levou a uma conferência na UNESCO, e
que diz que, em África, cada velho que morre é como uma biblioteca que arde. Toumani
Diabaté, porventura ignorando o conto “Um Apólogo”, de Machado de Assis, recorre
à metáfora da “agulha que tudo cose”. Mas vejamos que sentido Eric Charry atribui
aos jeli, ou griô, no antológico “Mande Music: Traditional and Modern Music of
the Maninka and Mandinka of Western Africa”: “São músicos, cantores, conselheiros,
oradores, louvadores, mediadores ou cronistas, são quem dá forma ao passado e
ao presente”. Dir-se-iam uma espécie de aplicação da Lei de Lavoisier à
historiografia. A explicação de Charry traz à memória a maneira como, numa
“Jazz Review” de 1959, Steve Lacy definia o músico de jazz: “Dado à oratória, à
dialética, à matemática ou ao atletismo, ele é poeta, diplomata, educador e
estudante”. Será mera coincidência, mas não deixa de parecer apropriado que, em
Juillaguet, nos arredores de Angoulême, o sereno “Kiriké” tenha sido gravado no
estúdio de Kent Carter, contrabaixista que, ao longo dos anos, foi um dos mais
estimados e constantes cúmplices de Lacy. E quando, no norte do Mali, se
reduzem literalmente bibliotecas a cinzas, o que o novo álbum de Kassé Mady vem
dizer é que chegou a hora de devolver a palavra a estes homens que, através da
música, não fazem outra coisa que renovar a confiança no Homem. Talvez por isso
termine o disco com ‘Hera’, termo bambara
para o ideal de paz a que aspira qualquer griô.
Com a histórica voz dos National Badema estão as de Ballaké Sissoko, Lansiné
Kouyaté, Badjé Tounkara e Vincent Segal mais as de 15 milhões de malianos. É
essencial ouvi-las.
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