Tre Voci
Na capa do CD propriamente dito, situa-se numa posição de
deliberada ambiguidade. E nem a leitura do livreto o esclarece: afinal, a que
se refere este Tre Voci? Com certeza ao trio da violetista Kim Kashkashian, da
flautista Marina Piccinini e do harpista Sivan Magen, que se apresentam sob
essa designação no circuito camerístico internacional. Ou, quiçá, segundo um
costume igualmente admitido, ao triângulo constituído pelos três compositores
invocados. Seja como for, dá que pensar. Pois logo se instala uma persuasiva sugestão
numerológica: a que reconhece a indissolúvel unidade de qualquer tríade. Nessa
perspetiva, faz sentido aqui falar-se da completação de um ciclo, ainda que subordinado
ao tema da incompatibilidade entre o Homem e o espaço que o rodeia. Temos o
orientalista Debussy, que escolheu “A Grande Onda de Kanagawa”, a famosa
xilogravura de Katsushika Hokusai, para ilustrar a publicação da partitura de
“La Mer”, e Takemitsu, que, pouco antes de morrer, escreveu que desejava “nadar
num mar que não tivesse leste nem oeste”, e Gubaidulina, que, um dia, disse ser
o “local onde o Oriente encontra o Ocidente”. Do francês, temos a “Sonata para
Flauta, Viola e Harpa” (1915), do japonês, “And then I knew ‘twas wind” (1992)
e, da tártara, “Garten von Freuden und Traurigkeiten” (1980): três peças
elípticas, permeadas de silêncios, sem orientação nítida, que se diriam feitas
de fragmentos importados dos mais remotos lugares, não fosse tão clara a
insinuação de que copiam a fluidez da natureza e da poesia. São uma espécie de
paisagem em transe e partilham do mesmo destino: permanecer misteriosas.
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