De
volta a 1970, como um detetive que regressa a um caso arquivado. Fala-se,
claro, daquele conjunto de ações que, no mundo do jazz, fileiras mais reacionárias
tomaram por uma deserção. Mas já então era óbvio que nada havia pelo que punir
Miles Davis. Pelo menos num código penal em que uma cobra não seja condenada à prisão
por mudar a pele. É o que nos dizem as provas: “Bitches Brew”, “A Tribute to
Jack Johnson”, “Live-Evil”, gravações espalhadas por “Big Fun” ou “Get Up With
It”, “Black Beauty”, “At Fillmore” (de que a presente edição vem dar a visão
integral) ou “Live at the Fillmore East, March 7, 1970”. Parece trabalho para
uma vida inteira mas mais não é do que o registo de um punhado de meses em que as
bandas de Miles deixavam o exo-esqueleto pelos palcos e estúdios por que
passavam. Entre 17 e 20 de junho de 1970 não foi diferente. Há, ao longo destes
quatro discos, um núcleo constituído por ‘Directions’, ‘The Mask’, ‘It’s About
That Time’ e ‘Bitches Brew’ dado a dissonância e distorção, um contínuo estudo
de contrastes (por exemplo, em “At Fillmore” Steve Grossman quase só se ouvia ao
soprano e aqui surge alternadamente no saxofone tenor), um vago sentimento de
dissociação que Dave Holland, Jack DeJohnnette e Airto Moreira nunca permitem
que se torne dominante, uma música que explora textura e densidade e que
permanece misteriosamente cristalina, que se crê estática e, no entanto, não
para de se mexer, e, fundamentalmente, não tanto um jogo de pingue-pongue entre
Chick Corea e Keith Jarrett quanto aquele em que um faz de trovão e o outro de
relâmpago. Há um imenso enigma e uma só solução. Essa detinha-a Miles.
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